Por Luiza Kons.

Chèche Lavi: As histórias de quatro famílias haitianas no sul do Brasil.

O sorriso dele se tornou do tamanho do mundo ao vê-la entrar na igreja.

 

Os olhos dela, por trás do véu, estavam felizes e assustados a um só tempo.

 

Parecia mentira. Era como se os dois vivessem um desses sonhos em que na melhor parte se acorda.

Esau Jules esperou, por dois anos e sete meses, para finalmente, ver Esperancia caminhar em direção ao altar.

Meus olhos embargaram levemente, o suficiente para conseguir continuar tirando fotos.
Não costumo me emocionar em ritos pré-estabelecidos e o casamento para mim muitas vezes é mera convenção social.

Não dessa vez. Não ali.

Esau, alto, magro, sério e religioso havia me mostrado, sete meses antes, as marcas dos dedos rachados pelo trabalho na fábrica da Aurora, no município de Xaxim no oeste de Santa Catarina, causado pelas temperaturas negativas para a manipulação de carnes.
Mesmo com as difíceis condições de trabalho continuou firme para juntar o dinheiro.

Recebi uma mensagem de Esau, em fevereiro. que sua noiva Esperancia chegaria ao Brasil no inicio de março e que passadas duas semanas se casariam.
Março passou como um sopro e não obtive nenhuma resposta.

Foi em abril que recebi outra mensagem: o matrimônio ocorreria na igreja Assembleia de Deus, no dia 22 de
abril.

Desde junho de 2015, tinha entrado nessa aventura de conhecer mais de perto as histórias dos imigrantes haitianos.

A curiosidade pela cultura e a vontade de conhecer mais de perto o cotidiano de pessoas  que são vistas como dados numéricos pela grande mídia, me fez iniciar um trabalho foto documental para poder contar suas histórias.

E que resultou no livro Chèche Lavi:  As histórias de quatro famílias haitianas no sul do Brasil.

Aquele convite vinha carregado como uma espécie de vitória pessoal, que é difícil de resumir.

Quando iniciei esse trabalho, nunca tinha desenvolvido algo tão longo e aprofundado.

A minha experiência estava mais ligada em registrar o cotidiano de brasileiros, não de estrangeiros, que se comunicam em outra língua, e veem de um contexto bastante diferente do meu.

Enfrentei a desconfiança e o medo por parte de vários deles.
Desconfiança mais do que justa.

Uma vez que me relataram que vários estrangeiros brancos vão ao seu país para mostrar uma faceta miserável, e lucrar com isso.

Enfrentei também meus próprios medos, afinal na maior parte do tempo era uma mulher sozinha em um cenário
desconhecido.

Então ao receber o convite sabia que de certa forma tinha feito o certo.

Consegui gerar um laço de confiança. e mostrar aos personagens presentes nessa história que não vou simplesmente expor suas vidas e desaparecer no final.

E que de certa forma estamos conectados.

Espero que tenham gostado desse primeiro texto.
Quero continuar compartilhando experiências desse trabalho foto documental.

Para que possamos trocar ideias e conhecimentos.

Não posso deixar de agradecer a Revista PBMAG pela oportunidade.

 

Luiza Kons

Luiza Kons

Sobre a autora:

Formada em jornalismo pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), desenvolve trabalhos que associam o fotodocumentarismo a literatura.

Para saber mais: Luiza Kons

 

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